Assista o vídeo que ilustra um pouco desse período
Sobrevivendo ao estaleiro!
Depois do probleminha na hidráulica, que nos forçou a retirar o piso do banheiro novamente, pensamos: tudo bem, as coisas não dão certo as vezes… Em breve tudo estará resolvido e daremos por encerrada a reforma.
O dia seguinte amanheceu chuvoso e a temperatura caiu bastante, era dia dos namorados, maravilha! Hoje vamos esbanjar comendo comida cara, vamos pedir pizza a noite (hahaha), tomar um vinho e sonhar com o primeiro mergulho nas águas transparentes do Caribe!! Foi aí que ocorreu o fatídico princípio de incêndio no Carapitanga, isso mesmo, incêndio!
Ao introduzir o carregar do celular na tomada (tipo acendedor de cigarro) quebrou um dos conectores que fica na lateral e a fumaça começou a subir. Foi muito rápido, assim que a Vivi percebeu uma névoa branca densa e sufocante subindo do armário que fica no quarto, saiu do barco berrando pra todo o Pier ouvir: FELIPEEEEEEE TA PEGANDO FOGO!!!!!!!Enfim, nosso dia dos namorados foi fogo… e só!
Bom, a partir daí resolvemos relaxar e parar de ter pressa, ficaríamos ali no píer o tempo que fosse preciso sem criar expectativas, afinal de contas, ainda bem que estávamos ali e não no meio do Pacífico.
No dia seguinte saímos pra testar as velas e ver se o motor estava beleza! O motor estava normal e as velas também, só não funcionou o GPS e entrou um pouco de água no barco, só isso! Checamos o painel e, o problema do GPS estava ali, então voltamos pra água novamente para nos certificar que havíamos resolvido e também ver se achávamos onde estava a entrada de água. Para isso, seria necessário tirar mais uma vez o colchão e o estrado que ficam sobre a transmissão, pois somente assim teríamos acesso visual à parte submersa da popa que parecia ser de onde vinha a água.
Opaaaaa o GPS funcionou! Mas e esse barulho na transmissão????? Não é possível!!!! Ela parecia querer sair à galope pra fora do barco quando o motor estava em baixa rotação.
Era a primeira vez que navegávamos com motor ligado sem o estrado e o colchão, então ficamos na dúvida se esse barulho apareceu naquele momento ou se ele já estava lá há tempos. Depois do desfecho da novela ficamos com a impressão de que esse problema já existia, mas com a cama no lugar ele ficava abafado.
Sim, novela. Foi uma novela entender o que estava acontecendo com a transmissão. A entrada de água? Ficou para segundo plano, antes precisávamos entender o que estava acontecendo com a bendita transmissão e depois iríamos focar no problema da água.
Primeira suspeita: algo se prendeu no hélice e está fazendo a transmissão vibrar!!!Para verificar, lá foi a Vivi mergulhar nas águas não tão cristalinas dos canais de Santos (o cheiro da água era um pouco desagradável e a cor era marrom). Nada, o hélice estava normal.
Segunda suspeita: O anodo se soltou (uma peça que fica presa no eixo hélice e tem a função de ser corroída para preservar as demais peças da corrosão)!!! Pois bem, agora era a vez do Felipe dar o mergulho (achou que iria sair ileso…). Nada, tudo certo também com o anodo.
Terceira suspeita: O rolamento do mancal que sustenta a transmissão falhou!!! O problema não era bem esse, mas o processo de verificação desta possibilidade ajudou entender o que estava acontecendo.
Para encurtar a história, criamos e comprovamos mil e uma hipóteses. Entre elas, algumas que caso fossem verdadeiras, indicavam a necessidade de retirar novamente o barco da água, o que acabava com qualquer possibilidade mínima que ainda pudesse existir de sono tranquilo.
Retirar o barco da água representava mais gastos e mais que isso, um golpe forte na moral, pois significava um passo para trás. Foram uma semana e meia de sono muito prejudicado!
Mas finalmente conseguimos solucionar o problema.
Antes de comentar sobre o problema em si, precisamos explicar um pouco do nosso sistema de transmissão. Atenção, o ministério da saúde adverte, os próximos parágrafos não são recomendados para aqueles que tem pavor à mecânica. Se este é o seu caso, aconselha-se ir direto para o parágrafo em marcado com um asterisco.
De forma simplista, o sistema é formado pelo eixo do hélice, um mancal contendo um rolamento axial e outro cônico e uma junta homocinética. A função do mancal deveria ser a de estabilizar o eixo, limitando os movimentos axiais e transversais. Já a homocinética deveria compensar a diferença de inclinação entre o eixo do hélice e reversor do nosso motor Yanmar (nosso barco foi construído com este desalinhamento para poder aproveitar melhor os espaços internos). Lindo e maravilhoso na teoria, mas na prática não era bem assim que estava funcionando nossa transmissão.
Por estar trabalhando demasiadamente comprimida, a junta homocinética não cumpria o seu papel de absorver a diferença de alinhamento. E, portanto, estava atuando praticamente como uma parte rígida do sistema e, consequentemente, absorvendo a função de limitar o movimento transversal do eixo do hélice, função esta que deveria ser do mancal. E por sua vez o mancal na sua parte traseira, onde estava montado o rolamento axial, não limitava o movimento transversal do eixo. Como resultado, a toda a vibração do motor, que no caso do motor Yanmar é mais significativa em baixa rotação, estava sendo absorvida parte pela junta homocinética e parte pelo túnel por onde o eixo transpassa o casco. O choque do eixo no túnel se propagava pelo casco e gerava a sinfonia descompassada da transmissão (vulgo samba do crioulo doido).
A solução foi diminuir a espessura das guias da junta homocinética, permitindo que a mesma trabalhasse com o comprimento correto, e alterar o mancal passando a trabalhar com dois rolamentos cônicos.
*Pronto! O galope desapareceu e o som da transmissão na baixa rotação ficou bem mais elegante e quase imperceptível.
O que foi da entrada de água? Foi como vários outros problemas que apareceram e, com o tempo e um pouco de paciência, foram sendo endo entendidos e resolvidos de forma natural. No caso da entrada de água as respostas foram aparecendo a medida que trabalhávamos na solução do problema da transmissão.
Parte da entrada de água vinha do selo mecânico. O selo abraça a saída do túnel na parte de dentro do casco e o eixo do hélice, devendo assim evitar a entrada de água pelo túnel. Também havia uma quantidade mínima entrando justamente por baixo do túnel, na junção com o casco.
Todas essas entradas de água foram resolvidas com a troca do selo mecânico e um pouco de Tubolite logo abaixo do túnel.
Foi um período difícil, mas agora olhamos para trás e somos gratos por tudo que aprendemos com estes e vários outros problemas que surgirao ao longo da vida a bordo. Hoje, nos sentimos mais seguros tanto no ponto de vista técnico como emocional e mais que isso, tivemos a oportunidade de conhecer nosso barco muito bem e exercitar a paciência quando o improvável simplesmente acontecia…
Conclusao: Barco e manutenção são quase uma coisa só!